ELIADE, M. Ferreiros e alquimistas. Página 102
Certas convergências entre o Ioga, sobretudo o Hatha-yoga tântrico, e
a alquimia se impõem de modo natural ao espírito. É evidente, em primeiro
lugar, a analogia entre o iogue que opera sobre seu próprio corpo e sua vida
psico-mental, por uma parte, e o alquimista que opera sobre as substâncias, por
outra: um e outro têm o propósito de «purificar» essas «matérias impuras», de
«aperfeiçoá-las» e, finalmente, transmutá-las em «ouro». Pois, como já
dissemos, «o ouro é a imortalidade»: é o metal perfeito e seu simbolismo se
enlaça com o simbolismo do Espírito puro, livre e imortal, que o iogue se esforça
mediante a ascese em extrair da vida psico-mental, «impura» e subjugada. Em outros
termos: o alquimista espera chegar aos mesmos resultados que o iogue «projetando»
sua ascese sobre a matéria. Em lugar de submeter seu corpo e sua vida psico-mental
aos rigores do Ioga, para separar o Espírito (purusha) de toda experiência pertencente
à esfera da Substância (prakrti), o alquimista submete aos metais à operações químicas
homologáveis às «purificações» e às «torturas» ascéticas. Pois existe uma perfeita
solidariedade entre a matéria física e o corpo psicossomático do homem. Ambos são
produtos da Substância primitiva (prakrti). Entre o mais vil metal e a
experiência psico-mental mais refinada não existe solução de continuidade. E do
momento em que, na época pós-védica, esperavam da «interiorização» dos ritos e
das operações fisiológicas (alimentação, sexualidade, etc.) resultados que
interessam à situação espiritual do homem, devia-se chegar logicamente a
resultados análogos «interiorizando» as operações praticadas com a matéria: a
ascese «projetada» pelo alquimista sobre a matéria equivalia
Em definitivo a uma «interiorização» das operações efetuadas em
laboratório.
Esta analogia entre ambos os métodos verifica-se em todas as formas
do Ioga,
inclusive do Ioga «clássico» de Patañjali. Quanto às diferentes
espécies do Ioga tântrico, ainda é mais clara sua semelhança com a alquimia.
Efetivamente, o hathayogui e o tântrico pretendem transmutar seu corpo em um
corpo incorruptível, chamado «corpo divino» (divya-deha), «corpo da gnosis»
(jñana-deha), «corpo perfeito» (siddha-deha) ou, em outros contextos, corpo do
«liberado em vida» (jivan-mukta). Por sua parte, o alquimista procura a
transmutação do corpo e sonha prolongando indefinidamente a juventude, a
força e a agilidade. Em ambos os casos Tantra-Ioga e alquimia o
processo da
transmutação do corpo inclui uma experiência de morte e ressurreição
iniciadora (veja-se nossa Ioga, pp. 227 e ss.). Além disso, o tantrista, quão
mesmo o alquimista, esforça-se em dominar a «matéria» sem se retirar do mundo,
como faz o asceta ou o metafísico, a não ser sonhando em conquistá-lo e trocar
seu regime ontológico. Em resumo: há fundamento para ver no sádhana tântrico e
na obra do alquimista esforços paralelos para franquear as leis do Tempo, para
«descondicionar» sua existência e conquistar a liberdade
absoluta. A transmutação dos metais pode alinhar-se entre as
«liberdades» de que o
alquimista consegue gozar: intervém assim ativamente no processo da
Natureza (prakrti) e, desde certo ponto de vista, pode dizer que colabora em
sua «redenção» 3. Na perspectiva do Samkhya-Ioga, todo espírito (purusha) que
conquistou sua autonomia libera ao mesmo tempo um fragmento da prakrti, pois
permite à matéria que constitui seu corpo, sua biologia e sua vida psico-mental
reabsorver-se, reintegrar o modo primitivo da Natureza ou, dito de outro modo,
alcançar o repouso absoluto. Agora bem: a transmutação verificada pelo
alquimista precipita o ritmo das transformações lentas da
Natureza (prakrti) e ao fazê-lo ajuda a liberar-se de seu próprio
destino, de igual modo que o iogue, ao forjar um «corpo divino», libera à
Natureza de suas próprias leis: efetivamente consegue modificar o estatuto
ontológico, transformar o infatigável suceder da Natureza em um êxtase
paradoxal e impensável (pois o êxtase pertence ao modo de ser do Espírito e não
às modalidades da vida e da matéria vivente). Tudo isto se compreende melhor
quando se estuda a ideologia, o simbolismo e as técnicas alquímicas em seu
contexto Ioga-tântrico e se se tiver em conta uma certa pré-história espiritual
hindu que comporta a crença nos homens-deuses, os magos e os
imortais. O Ioga-tântrico e a alquimia integraram e revalorizou estes
mitos e estas nostalgias, como o têm feito na China o taoísmo e a alquimia com
um grande número de tradições imemoriais. Em um trabalho precedente estudamos a
solidariedade entre as diferentes técnicas místicas hindus (veja-se Ioga, pp.
262 e ss.) e não vem ao caso voltar aqui sobre o tema.
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